Atrás apenas do Japão, Egito e Zâmbia, o Brasil tem um dos piores regimes de direitos autorais do mundo, referente às leis que mais restringem direitos do consumidor no acesso a serviços e produtos culturais. A conclusão é da IP Watchlist 2011, um levantamento sobre direito autoral e propriedade intelectual feita pela Consumers Internacional - federação que congrega entidades de defesa do consumidor em todo o mundo, incluindo o Idec.
O Idec participou do trabalho, fazendo o relatório sobre a situação no Brasil. O trabalho leva em conta questões como as possibilidades trazidas pela legislação autoral para o acesso dos consumidores a serviços e produtos culturais, exceções e limitações para usos educacionais das obras, preservação do patrimônio cultural, acessibilidade, adaptação da lei aos novos modelos digitais e utilização privada dos bens culturais.
O relatório da CI destaca que os países em desenvolvimento são os que possuem as leis mais prejudiciais ao consumidor. Uma das críticas feitas pelo relatório é a punição excessiva prevista aos consumidores considerados infratores da lei quando realizam tarefas cotidianas como, por exemplo, transferir arquivos de um equipamento para o outro, para uso pessoal. Por outro lado, não há qualquer punição prevista aos fornecedores que cerceiam os direitos do consumidor.
"Que tipo de punição recebe o proprietário dos direitos autorais que interfere nos direitos do consumidor a ponto de impedi-lo de fazer uma cópia para backup ou para estudo? A resposta é que em todos os países pesquisados, não há qualquer sanção ao proprietário dos direitos autorais", aponta o relatório. A pesquisa cita ainda que as reformas planejadas para a Lei de Direitos Autorais no Brasil pode ser uma das primeiras a prever uma solução real para os consumidores, cujos direitos são obstruídos pelos fornecedores. A proposta é coibir qualquer prática que impeça o exercício dos direitos do usuário.
O advogado do Idec, Guilherme Varella, que contribuiu com o levantamento, lembra que o Brasil havia ficado na sétima posição na pesquisa de 2010, caindo agora para a quarta, o que demonstra um retrocesso no processo de democratização dos direitos autorais. Isso teria ocorrido após o governo dar manifestações claras de que não vai mais rever sua lei de direito autoral (Lei 9.610/98).
"A LDA passou por processo de reforma no ano passado, com consulta pública aberta à participação popular, depois de seis anos de debate intenso, conduzido pelo Ministério da Cultura. O anteprojeto de lei que reforma a LDA iria para o Congresso Nacional com um texto muito avançado, que equilibrava a proteção dos autores com o interesse público de acesso à cultura", afirmou Varella. "Nesse novo governo, o Ministério da Cultura recuou da reforma e não se mostra favorável à flexibilização da lei".
A LDA ainda permite o DRM (digital rights management), um sistema de gerenciamento digital que restringe a utilização de produtos que o consumidor adquire legitimamente no mercado. Pela lei, as empresas podem colocar essa "trava tecnológica" em um CD ou DVD e este tocar apenas em um aparelho de som e não em outro. O DRM também restringe o número de cópias privadas. A lei, assim, vai contra princípios básicos do Código de Defesa do Consumidor, que protege direitos como a liberdade de escolha do consumidor e a lealdade nas relações de consumo.Para ilustrar como isso funciona, o Idec realizou uma pesquisa esse mês, matéria da Revista do Idec 153.
A lista dos dez países pior colocados neste ano tem o Japão em primeiro lugar, como o país com as piores leis, seguido pelo Egito, Zâmbia, Brasil - na quarta posição -, Argentina, Tailândia, Quênia, Reino Unido, Jordânia e Chile. Em 11 diferentes áreas analisadas, como uso educacional, uso literário e liberdade para compartilhar e transferir informações, nenhum dos 24 países pesquisados alcançaram a nota máxima. Mais de dois terços deles receberam a pontuação mais baixa em pelo menos uma dessas áreas. Confira aqui a íntegra da pesquisa.http://a2knetwork.org/sites/
Educação
O Brasil se mantém entre os países com a pior nota no quesito possibilidades educacionais. Isso se dá pelo fato da lei autoral não permitir a cópia para uso educacional ou científico. Os livros científicos brasileiros são extremamente caros. Muitas vezes, seus autores já receberam pelas obras, através de bolsas e salários, como ocorre com as universidades públicas, e mesmo assim os estudantes não têm direito de tirar uma cópia desses livros para fins unicamente de estudo, sem finalidade comercial.
Além disso, segundo o advogado do Idec, há uma ação ostensiva da indústria reprográfica no Brasil contra copiadoras de livros. "Pela lei, as copiadoras podem tirar cópias de "pequenos trechos" de obras, ainda que não se especifique o que são pequenos trechos. Algumas organizações têm intimidado proprietários de copiadoras e coagidos seus funcionários a não tiraram cópias nem de pequenos trechos, infringindo direitos dos alunos e desses profissionais", apontou Varella.
No mais, ainda na questão educativa, a LDA não permite a cópia nem a digitalização de obras. Assim, livros raros, não mais editados, podem apodrecer em estantes de bibliotecas sem que nada possa ser feito. O mesmo vale para as cinematecas. Filmes antigos, livros importantes, que compõem o patrimônio cultural e educacional brasileiro, podem se perder por inconsistência dessa lei.
LDA e Internet
Foi reaberta no Congresso a discussão do Projeto de Lei 84/99, a chamada Lei Azeredo. O PL prevê o monitoramento dos usuários pelos provedores de internet e a permissão para que cortem sua conexão em caso de conduta suspeita de violação de direitos autorais. A linha é a mesma das leis da França e Espanha, prevendo a intervenção direta na esfera individual dos consumidores. Por aqui, o movimento de cultura digital batizou o PL de AI-5 Digital, em referência ao famigerado ato institucional da ditadura militar, que cassou direitos civis e políticos, em 1968.
Fonte:
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